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Felicidade: uma estrada individual sob as tramas da efemeridade do viver

Atualizado: 4 de mar. de 2024



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"O que revela a própria conduta dos homens acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que pedem eles da vida e desejam nela alcançar? É difícil não acertar a resposta: eles buscam a felicidade, querem se tornar e permanecer felizes".

(Sigmund Freud, 1929)



A busca pela felicidade emerge como um dos temas mais significativos e discutidos ao longo da jornada da existência humana. É imperativo compreendê-la como um conceito multifacetado, repleto de complexidades, sendo uma construção individual. De acordo com Freud, "a felicidade é algo inteiramente subjetivo", o que ressalta ainda mais a natureza individual desse estado. Diante disso, surge a indagação: seria a felicidade um destino a ser alcançado?


Na ótica do fundador da Psicanálise, Sigmund Freud, a busca pela felicidade como um destino revela facetas tanto positivas quanto negativas. Uma vertente se define pela ausência de dor e desprazer, enquanto a outra está associada à experiência de prazeres intensos. Segundo o autor, "o sentido mais estrito da palavra 'felicidade' refere-se apenas à segunda".


"Aquilo a que chamamos “felicidade”, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico. Quando uma situação desejada pelo princípio do prazer tem prosseguimento, isto resulta apenas em um morno bem-estar; somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado. Logo, nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa constituição".

    (Sigmund Freud, 1929)



Certamente, a felicidade não é algo permanente. Sob essa perspectiva, a felicidade demonstra-se capaz de proporcionar ao sujeito somente uma satisfação momentânea dos prazeres e expectativas. Nesse contexto, práticas como o consumismo, o uso excessivo de substâncias químicas e alimentos, entre outras, têm espaço para instalar-se na rotina e vida dos sujeitos como maneira de deixá-los satisfeitos, ainda que por tempo determinado. Entretanto, quando essa efemeridade se dissipa, o indivíduo se lança na incessante busca por outras formas de satisfação, seja por meio de metas e objetivos, laços afetivos, relacionamentos amorosos, produtos/objetos de consumo etc.


Essa incessante busca por satisfação pode resultar em um preço elevado e tornar-se perigosa, uma vez que coloca a obtenção dos prazeres como o antídoto que resguarda o sujeito da experiência do sofrimento, mediante uma distorcida alteração da realidade. Freud, ao caracterizar essa abordagem como um "delírio de massa", destaca a ilusão coletiva de que a conquista da felicidade é uma possibilidade real. Devemos, então, permitir com que a felicidade mantenha-se sob essa interpretação?


“Aquele que espera ser feliz como um estado permanente acaba negando a contingência da vida e a aceitação dela como um princípio maior. Eventualmente a gente se torna muito infeliz perseguindo uma felicidade super-humana."

(Christian Dunker, 2020)



Além de ser potencialmente perigosa, essa perspectiva torna-se, de certa forma, frustrante, apontando para um destino que parece nunca se concretizar. Mesmo que a comida seja deliciosa, ela é eventualmente consumida. O corpo passa por transformações ao longo da vida, desvanecendo-se da juventude, seguindo o curso natural conforme o passar dos anos. A trajetória profissional, mesmo em ascensão, apresenta seus altos e baixos e períodos de instabilidade. Os relacionamentos são permeados por momentos maravilhosos; contudo, faz parte de sua realidade compreender que a harmonia não perdura a todo instante. Os prazeres da vida têm data de validade. Entretanto, isso não precisa ser a razão do descontentamento que temos, inevitavelmente, com a efemeridade; pelo contrário: podemos usufruir da nossa criatividade para inventar formas de apreciar as pequenas alegrias do viver.



A felicidade pode ser mais proveitosa quando deixa de ser um destino e passa a ter um olhar voltado ao percurso. O agora nos fornece pequenas e fragmentadas doses de felicidade que, em muitas das vezes, são ofuscadas pelas grandes promessas de uma satisfação duradoura e expressiva. No fim das contas, a felicidade torna-se mais benéfica quando visa desfrutar, de maneira própria, o trajeto que se faz no instante, mesmo que esta escape por ser momentânea.


"Em nenhum desses caminhos podemos alcançar tudo o que desejamos. No sentido moderado em que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz."

(Sigmund Freud, 1929)




Notas da autora:


As citações do texto têm como referências bibliográficas:

  1. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos: Obras completas- Volume 18. [S. l.: s. n.], (entre 1930 e 1936).

  2. DUNKER, Christian. “Nos tornamos infelizes buscando felicidade super-humana”, diz psicanalista, [S. l.], p. ., 11 jun. 2020. Disponível em: https://sites.usp.br/psicousp/nos-tornamos-infelizes-buscando-felicidade-super-humana-diz-psicanalista/. Acesso em: 22 jan. 2024.


 
 
 

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